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17 de dezembro de 2012
O COMUM
CONDUTA
Pesquisadores discutem desvios
éticos na comunidade científica

Mesa-redonda teve participantes da USP, Unifesp e UFRJ
A multiplicação das denúncias de má conduta científica talvez seja a maior sombra que paira sobre a comunidade acadêmica. Os casos vão desde práticas como fracionamento da produção, requentamento de artigos e falsas coautorias até desvios de extrema gravidade, como manipulação de resultados, alteração de dados e cópia de ideias, textos ou imagens sem a devida atribuição de autoria.

Com o objetivo de enfrentar essa questão, a Comissão de Ética da USP e o IEA organizaram a mesa-redonda Fabricação, Falsificação e Plágio nas Ciências e Humanidades, realizado no dia 28 de novembro. O debate teve a participação dos professores Edson Watanabe (UFRJ), Sonia Maria Vasconcelos (UFRJ) e Marisa Russo Lecointre (Unifesp), com moderação do professor Luiz Henrique Lopes dos Santos, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Epidemia de retratações

Recente estudo publicado na revista científica "PNAS", editada pela National Academy of Sciences dos EUA, analisou 2.047 artigos da área de ciências biomédicas e da vida indexados pelo PubMed em 3 de março como trabalhos que sofreram retratação. Os resultados mostraram que o número de retratações aumentou dez vezes desde 1975 e que a maior parte delas (67,4%) foi atribuída a más condutas científicas, incluindo fraude (43,4%), publicação duplicada (14,2%) e plágio (9,8%).

Segundo os autores do artigo, notas de retratação incompletas, pouco informativas ou enganosas levaram a uma subestimação anterior do papel da fraude na epidemia de retratação em curso.

RETRATAÇÕES
Sonia Maria tratou de um dos maiores tabus entre os pesquisadores: as retratações em revistas científicas, que se referem a artigos retirados da literatura científica devido a erros ou desvios éticos na condução ou no relato da pesquisa.

Baseada em estudo liderado por Arturo Casadevall, da Yeshiva University, dos EUA (leia ao lado), ela afirmou que o número de retratações vem crescendo desde a década de 1970, sendo a maior parte vinculada a fraudes, publicações em duplicidade e plágio. Disse, ainda, que as estatísticas podem não refletir a gravidade da situação, uma vez que apenas uma pequena fração dos artigos com problemas éticos são retratados.

Ainda em referência ao estudo, a pesquisadora destacou que as notas de retratação publicadas nas revistas são "nebulosas", pois não explicitam de forma clara e objetiva as razões que levaram ao cancelamento dos artigos. Segundo a professora, as informações apresentadas são demasiadamente subjetivas e muitas vezes recorrem à ideia de um erro legítimo para disfarçar uma má conduta.

Diante desse quadro, ela levantou duas questões principais. A primeira é se a retratação invalida completamente o artigo e se este deve, a partir de então, ser eliminado da literatura científica. A segunda refere-se ao fato de muitos artigos continuarem a ser citados mesmo após serem retratados: "Os pesquisadores utilizam o artigo porque não sabem da retratação ou porque simplesmente ignoraram o fato?".

Essas questões revelam, de acordo com ela, a complexidade do problema da retratação e demonstram a necessidade de um olhar menos simplista para o assunto: "Para que os erros não sejam incorporados de forma acrítica à literatura científica, os mecanismos e atitudes em relação às correções e retratações precisam ser repensados".

PUBLICAR OU PERECER
Marisa Russo tocou em outro ponto caro à comunidade acadêmica: a pressão pelo aumento da produtividade científica. Para ela, quando a política do publish or perish (publicar ou perecer) passou a nortear a oferta de financiamentos e a determinar o status dos pesquisadores, sobretudo a partir da década de 80, teve início o desastre das pesquisas, com o acirramento da corrida para elevar a quantidade de publicações.

A professora afirmou que existe uma política de tolerância às fraudes nas universidades, visto que muitos fecham os olhos para o problema com o objetivo de proteger pesquisadores poderosos e evitar escândalos. "A fraude só existe porque existe um meio que lhe é favorável", frisou.

De acordo com ela, isso não só cria um ambiente propício a desvios de conduta ética, como leva a distorções, como a ideia de que a solução é vigiar, punir e prevenir, e não transformar o sistema. Como exemplo, citou o caso dos seguros antifraude nos EUA: ao receber um financiamento, o pesquisador precisa assinar um termo se comprometendo a não cometer fraudes sob pena de multa. E, para garantir o pagamento da multa se houver fraude, é obrigado a fazer um seguro.

Para ela, a solução para o problema da má conduta científica não está no direito civil ou penal, mas numa valorização do cientista que não seja baseada na quantidade de papers, bem como na inclusão da responsabilidade coletiva entre os valores da ciência, de modo que "o valor epistêmico não se sobreponha a outros valores".

CULTURA DA COLA
A exposição de Watanabe concentrou-se no que ele considera ser a principal causa dos desvios éticos na ciência, sobretudo do plágio: a cultura da cola, que, de acordo com ele, começa nos colégios e se consolida nas universidades. "Quando a gente conversa com o plagiador, vemos que muitas vezes ele não sabe que está fazendo algo errado, pois o plágio faz parte da cultura do ensino", disse.

Segundo o professor, o problema é agravado por confusões em torno do que é direito autoral e copyright, do que pode ser considerado cópia, entre outros. Alguns exemplos apontados por ele são a ideia de que tudo na internet pode ser usado ou é de domínio público; indefinições sobre se o chefe é autor do trabalho ou sobre como proceder em estudos que envolvem grandes equipes de pesquisadores; e a cessão dos direitos de artigos ou imagens para revistas científicas quando da publicação.

Watanabe afirmou que a melhor forma de coibir a má conduta científica é acabar com a cultura do "copiar e colar" e conscientizar os alunos de que a violação acadêmica é também uma prática ilegal: "Muitos plagiam porque acham que é um crime menor. Precisamos começar nos colégios, para que as pessoas cometam o erro sabendo que estão fazendo uma coisa errada".

ÉTICA CIENTÍFICA
Ao fazer um balanço do debate, Santos, moderador da mesa, disse que a responsabilidade do cientista é produzir conhecimento de boa fé, dentro dos métodos e condutas da ciência. Para ele, a ética profissional do cientista diz respeito a fazer o conhecimento avançar respeitando as normas da comunidade científica.

"É preciso distinguir a questão da integridade ética da ciência, relativa à verdade dos resultados, da questão da adequação do comportamento do cientista a valores éticos gerais. Muitos conhecimentos relevantes foram considerados eticamente questionáveis quando surgiram, como o darwinismo e o heliocentrismo. A verdade nunca é prejudicial. Sou iluminista nesse sentido", concluiu.

CICLO
Fabricação, Falsificação e Plágio nas Ciências e Humanidades foi a segunda mesa-redonda do Ciclo Ética e Universidade, organizado pela Comissão de Ética da USP e o IEA. O primeiro debate, Segurança e Privacidade (assista ao vídeo), aconteceu no início de novembro e o terceiro, ainda sem data marcada, será realizado em 2013.

Foto: Sandra Codo/IEA-USP

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