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POLÍTICA Encontro internacional discute a democracia no Brasil e na Índia |
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A primeira mesa, mediada por Maria Inês Nogueira, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, tratou dos aspectos históricos ligados à instituição da democracia nos dois países. Mridula Mukherjee, historiadora do Centro de Estudos Históricos da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), falou sobre como o movimento pela independência da Índia, conduzido por uma população majoritariamente analfabeta, com expectativa de vida de 30 anos e cultura baseada na religião, culminou na composição de um governo democrático, soberano e secular.
De acordo com ela, isso foi possível devido à difusão dos valores nacionalistas e à inclusão do povo em todo o processo. "Ativistas anti-imperialistas iam às favelas e inflamavam as pessoas com argumentos. A justificativa para a independência não era a necessidade de expulsar os brancos e cristãos, mas de libertar o povo indiano de quem havia roubado suas riquezas", afirmou a historiadora. Já Pedro Paulo Funari, diretor do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp, discutiu o caso brasileiro. Ao fazer uma retrospectiva da história do Brasil, ele destacou duas particularidades da trajetória política do país: a ausência de uma participação popular efetiva na conquista da independência; e a descontinuidade da democracia, que se consolidou tardiamente, em 1989, com a eleição direta do primeiro civil depois da ditadura militar. Para Funari, a combinação dessas particularidades impediu a ruptura com os valores do clientelismo e da patronagem, herdados do período colonial, mesmo após a instituição do Estado de Direito. Por ainda se manterem presentes na sociedade brasileira, tais valores dificultariam a promoção da justiça social e a participação mais ativa das pessoas na vida política. "O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. O diálogo com a experiência indiana é frutífero, pois se trata de um projeto completamente diferente do brasileiro. Estamos na infância e temos muito que aprender", concluiu. ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS A segunda mesa abordou aspectos contemporâneos das democracias indiana e brasileira e foi mediada por Alfredo Bosi, do IEA e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. O historiador Aditya Mukherjee, diretor do Instituto de Estudos Avançados Jawaharlal Nehru da JNU, contestou a ideia de que o desenvolvimento econômico da Índia seja resultado de condições criadas pela Inglaterra na colonização. Para ele, a modernização da economia só foi possível com a democracia e o rompimento com o passado colonial promovido por Jawaharlal Nehru (1889-1964), líder do movimento pela independência e primeiro-ministro do país de 1947 a 1964. Ao enfatizar o sucesso da tradição democrática indiana, Aditya Mukherjee não deixou de observar que ainda há muito a ser feito: "O desafio para a Índia é o mesmo que para o Brasil: garantir a igualdade e a justiça social. Embora a economia apresente altas taxas de crescimento, 40% das crianças hindus ainda são subnutridas". A mesa foi fechada com a exposição de Renato Janine Ribeiro, professor da FFLCH e conselheiro do IEA, que tratou das diferenças entre república e democracia. De acordo com ele, esses conceitos são equivocadamente tomados como sinônimos, pois a república, ligada às elites, pressupõe o sacrifício dos interesses particulares em benefício do bem comum; a democracia, por outro lado, refere-se a uma forma de governo voltada para atender os desejos do povo. Janine trouxe a discussão para o contexto atual da política brasileira ao associar os valores republicanos ao PSDB e os valores democráticos ao PT. Para ele, os governos psdebistas, como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, se preocupam com a questão republicana e, por isso, apostam no discurso racional do Estado de Direito. Já os governos petistas, como o do ex-presidente Lula, mais comprometidos com a democracia, investem nos sentimentos do povo e fazem uso de um discurso afetivo. Segundo o pesquisador, "enquanto Lula ganhou muitos corações, Fernando Henrique chegou à mente de poucas pessoas. O exemplo dos países que vêm se tornando as maiores democracias do mundo demonstra a necessidade de líderes mais carismáticos, capazes de se comunicar com o povo a partir da emoção e de dar forma a uma ‘afetividade democrática’ sem comprometer os fundamentos do Estado de Direito". DEBATE Após as exposições, houve um debate estimulado por Ana Lydia Sawaya, pesquisadora da Unifesp e do IEA, e Laura Patrícia Izarra, da FFLCH. O comentário de Mridula Muckherjee se destacou por amarrar algumas das ideias exploradas nas mesas. Ela ressaltou que a comunicação com o povo indiano foi essencial na luta pela independência e na consolidação da democracia. De acordo com a historiadora, tanto Nehru quanto Gandhi, os dois grandes líderes do movimento, sabiam falar sobre ideias sofisticadas com pessoas sem instrução. "O mais importante foi levar os ideais anti-imperialistas ao povo. Gandhi soube defender a democracia sem abdicar da tradição. Dava aos símbolos hindus um novo sentido. Usava imagens milenares para simbolizar o ideal democrático". Foto: MB/IEA-USP |