O ecologista britânico Toby Gardner |
Investigando os efeitos antrópicos na região amazônica brasileira desde 2004, o ecologista britânico Toby Gardner divide suas atividades de pesquisa entre instituições brasileiras e internacionais: é fellow na University of Cambridge e associado à Lancaster University, ambas no Reino Unido, e pesquisador visitante no Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), na Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, e na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP.
Além disso, o cientista contribui com a Rede Amazônia Sustentável (RAS), programa de pesquisa interdisciplinar e interinstitucional voltado para o levantamento de dados biofísicos e socioeconômicos nos municípios paraenses de Santarém e Paragominas. Seu trabalho é estudar a relação custo-benefício entre conservação ambiental e desenvolvimento econômico.
SUSTENTABILIDADE DA
AMAZÔNIA BRASILEIRA
Tipo: mesa-redonda aberta ao público, gratuita e sem necessidade de inscrição
Data: 21 de novembro, 14h
Local: Sala de Eventos do IEA, Rua Praça do Relógio, 109, bloco K, 5º andar, Cidade Universitária, São Paulo
Web: transmissão em www.iea.usp.br/aovivo
Informações: com
Sandra Sedini (sedini@usp.br),
tel. (11) 3091-1678 |
Aproveitando essa primeira permanência na FEA nos meses de outubro e novembro (ele voltará à faculdade em 2013), Gardner discutirá os desafios enfrentados na aplicação de uma visão de Amazônia mais sustentável no debate Sustentabilidade da Amazônia Brasileira, que acontece no dia 21 de novembro, às 14 horas, no IEA, ocasião em que apresentará o trabalho realizado pela RAS. O evento terá o professor Roberto Araújo de Oliveira Santos Jr., do Inpe, como debatedor e o professor Ricardo Abramovay, da FEA, como coordenador.
Em entrevista à jornalista Flávia Dourado, ele antecipa alguns dos assuntos a serem abordados no debate: questiona clichês sobre a Amazônia, ressalta o papel da ciência para a sustentabilidade da região e apresenta os objetivos e aspectos inovadores da RAS.
Qual o estado da região amazônica hoje?
Há alguns aspectos principais a serem apontados. O primeiro é que a Amazônia está passando por uma janela de oportunidade curta e bastante única. As condições não são totalmente negativas, de forma que a região ainda tem grande potencial de recuperação. Mas é preciso atuar cedo para que o processo de degradação não avance demais e se torne irreversível. O segundo é que a Amazônia não é estática e homogênea, tudo verde e rural, como as pessoas pensam, mas dinâmica e heterogênea. A região é social, econômica e ecologicamente bastante diversa e está passando por transformações rápidas, que envolvem mudanças nos preços de várias commodities; alterações no fluxo de migrações, com o aumento da circulação intrarregional de pessoas; a urbanização e expansão das cidades (mais 70% da população amazônica já vivem em zonas urbanas); o crescimento de alguns setores da produção agrícola, como dendê, cana de açúcar e eucalipto; entre outros. Em meio a essa transição, é preciso aproveitar as oportunidades e trabalhar para minimizar riscos, sobretudo porque mudanças bruscas aumentam as chances de efeitos perversos e inesperados. O terceiro ponto é a crescente interconectividade entre locais, municípios, estados e o resto do mundo. Ao desenvolver um projeto de conservação em determinado lugar, é preciso considerar os impactos daquela intervenção em outros lugares, para o bem e para o mal. Alguns exemplos são os efeitos que a valorização do dólar e modificações nos mercados, leis e embargos da Europa exercem sobre os usos da terra na Amazônia brasileira.
'A Amazônia está passando por
uma janela de oportunidade
curta e bastante única' |
Nesse cenário, quais os desafios a serem enfrentados
na governança ambiental da região?
Há três grandes desafios, todos relacionados à sustentabilidade do sistema. O primeiro, mais fácil, é minimizar riscos conhecidos. Sabemos, por exemplo, que as queimadas são um grande risco e sabemos mais ou menos como evitá-las. O segundo é fortalecer a resiliência das propriedades desejáveis desses sistemas que de alguma forma já contribuem para o desenvolvimento sustentável, mas que apresentam vulnerabilidades. Isso inclui todos os sistemas que fornecem bens, sejam agrícolas, pecuários, silvícolas ou florestais. É preciso fortalecer a resiliência das propriedades desejáveis desses sistemas para que consigam resistir a futuras ameaças, que podem vir de um longo período de seca, do enfraquecimento da conectividade ecológica de uma região, de restrições ao crédito, entre outros. O terceiro, mais desafiador, é fazer com que os sistemas insustentáveis ou mal adaptados sejam transformados para que consigam seguir uma trajetória mais sustentável. Isso passa pela recuperação de áreas ambientalmente degradas e/ou caracterizadas por instituições enfraquecidas e pela falta de oportunidades. É o caso de alguns sistemas já consolidados em termos de quem tem o poder, de quem detém a terra, de quem domina os empregos.
Como a ciência pode contribuir no
enfrentamento desses desafios?
Eu entendo que a ciência tem basicamente dois papéis: um é identificar e iluminar a natureza dos problemas. Sem saber quais são os problemas e onde estão os mais preocupantes não há por onde começar. Então é preciso identificar riscos, ameaças às quais os sistemas vulneráveis estão mais sujeitos, as variáveis que caracterizam esses sistemas. E o segundo, que é o outro lado da mesma moeda, é ser uma espécie de laboratório para examinar e avaliar possíveis soluções para os problemas antes de serem implantadas na prática.
E como a RAS vem fazendo isso?
A RAS é uma iniciativa voltada à avaliação da sustentabilidade e usos da terra. Ele apresenta alguns aspectos inovadores. Um deles é que faz um levantamento comparativo tanto da parte ambiental quanto da parte socioeconômica nas duas regiões pesquisadas [Santarém e Paragominas]. Para isso, trabalha em três escalas: a da propriedade, a da microbacia e a da região do município. A análise comparativa possibilita a avaliação do custo-benefício de diferentes tipos de uso da terra nessas três escalas, considerando fatores ambientais, sociais e econômicos.
Por que é tão importante fazer uma comparação nessas três escalas?
Uma das principais críticas à atuação da ciência na Amazônia é que a maior parte das pesquisas é feita em escala local (uma única fazenda, propriedade, reserva), muito específica. Pois, quando se abrange uma coisa tão diversa quanto a Amazônia, é comum que ocorram simplificações e distorções. Geralmente, o número médio não existe. No caso do nível de renda de pequenos produtores, por exemplo, é possível que nenhum receba exatamente a renda média encontrada. Por isso, como a região amazônica é muito heterogênea, é importante que a escala da pesquisa corresponda à escala real da governança dos sistemas investigados. Isso, a nosso ver, equivale à escala do município. Nosso desafio é como extrapolar, como transpor inferências de um município (ou microrregião) para outro local.
'O processo da pesquisa é
muitas
vezes tão ou mais importante
que os resultados em si' |
Quais são os principais objetivos da pesquisa?
O projeto tem basicamente três conjuntos de objetivos: identificar os fatores que determinam a condição ecológica e socioeconômica das duas regiões em diferentes escalas; entender como maximizar a efetividade das pesquisas, chegando aos resultados de forma mais rápida e com menor custo; e avaliar possíveis trade-offs (balanços de custos e benefícios) e sinergias na relação entre conservação e desenvolvimento, já que o debate sobre sustentabilidade e meio ambiente é sempre pautado por propostas poucos realistas do tipo win-win (ganhos para todas as partes envolvidas). Nesse último caso, estamos tentando esclarecer e expressar com números até que ponto os objetivos ambientais, sociais e econômicos são conflitantes ou compatíveis.
Então a pesquisa não busca apenas sistematizar os dados, mas auxiliar futuras
investigações ao fazer uma análise sobre o próprio modo de produção da ciência?
Isso. Acredito que o processo da pesquisa é muitas vezes tão ou mais importante que os resultados em si. Porque a gente não aprende somente a partir dos dados, a gente aprende também a partir do caminho que foi percorrido na coleta dos dados e da forma como os dados foram incorporados ou não no processo de aprendizagem.
Foto: arquivo particular de Toby Gardner